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A Teoria do Discurso de Ernesto Laclau: Ensaios Críticos e Entrevistas

Ano: 2015

Organizador(es): Alice Casimiro Lopes e Daniel de Mendonça

Editora: Annablume

Número de Páginas: 164

ISBN: 9788539107568

Apresentação:

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Nos últimos anos, o interesse pela obra de Ernesto Laclau vem se ampliando no Brasil, em um movimento que tem conexões com o destacado estudo sobre a teoria do discurso na América Latina, na América do Norte e na Europa. Grupos de pesquisa na Ciência Política e na Educação têm sido protagonistas desse interesse, voltados que estão para conceber os processos políticos como parte de uma vivência social mediada discursivamente, interconectando cultura, sociedade e economia. Observa-se a incorporação dos registros pós-estruturais e pós-fundacionais, questionando o realismo, o objetivismo e o determinismo na interpretação do social, bem como seguindo a proposição crítica de Laclau (2003) frente aos estudos que simplesmente realizam o reverso niilista da modernidade ao sabor da fluidez das diferenças desarticuladas. São cada vez mais valorizados estudos que operam com a subjetivação/objetivação/identificação, a fluidez dos processos de significação, a contingência, as estruturas desestruturadas, o vazio normativo, a relação incomensurável entre particular e universal, questionando as estruturas auto-explicativas, a normatividade fundacional, o sujeito centrado e os projetos políticos protagonizados por um sujeito privilegiado com direção pré-estabelecida para a mudança social.

As bandeiras de muitos dos projetos históricos – justiça social, igualdade, emancipação – não são abandonadas, mas são reconfiguradas como particulares que se universalizam, na medida em que têm seu sentido, provisório e contingente, negociado. Tais bandeiras são representadas por significantes vazios, não pela ausência de significação, mas pelo excesso de sentidos, o constante adiamento de sua significação, produzida pela articulação de demandas diferenciais frente a um exterior representado como ameaça.

Tais enfoques tornam os campos das ciências sociais e humanas mais abertos às problemáticas da filosofia e da linguística, suas fronteiras mostram-se mais porosas a diferentes discursos. Não se realiza, contudo, a mera transferência de sentidos de um campo a outro. Apoiados em Siscar (2013), concordamos que são realizadas traduções de discursos, tensa mediação entre problemáticas. A teoria do discurso é iterada – não aplicada –, levando à elaboração não apenas de novas respostas, mas de outras perguntas, outras questões de investigação.

Tentando ser coerente com a perspectiva discursiva, não é o caso de buscar uma origem desse interesse, que nos parece cada vez maior, na obra de Laclau. Qualquer origem é ao mesmo tempo arbitrária e indeterminável. Destacamos, contudo, alguns acontecimentos que nos parecem fortalecer o destaque da teoria do discurso no Brasil.

A recente tradução de três das obras de Ernesto Laclau, difundindo de forma mais sistemática seu pensamento na língua portuguesa, possivelmente contribuiu para ampliar o público leitor de sua obra. Em 2011, foi publicado pela Editora da Uerj o título Emancipação e Diferença, sob a coordenação e revisão técnica geral de Alice Casimiro Lopes (Uerj) e Elizabeth Macedo (Uerj). As pesquisadoras da área de Currículo traduziram dois capítulos do livro e coordenaram os esforços de Aécio Amaral (UFPb), Daniel de Mendonça (UFPel), Joanildo Burity (Fundaj), Josias de Paula Jr (UFRPE), Léo Peixoto Rodrigues (UFPel), e Maria de Lourdes Tura (Uerj) na tradução dos demais capítulos. Em 2013, a Editora Três Estrelas publicou A Razão Populista, penúltimo livro de Ernesto, em tradução de Carlos Eugênio Marcondes de Moura, com prefácio de Alice Casimiro Lopes e Daniel de Mendonça. Por fim, mas não menos importante, em 2015, ano em que se completam trinta anos de sua primeira edição, foi publicada pela Editora Intermeios a obra basilar do pós-marxismo, Hegemonia e Estratégia Socialista – por uma política democrática radical, produzida em coautoria com Chantal Mouffe e traduzida por Joanildo Burity, Aécio Amaral e Josias de Paula Jr, com apresentação de Alice Casimiro Lopes, Daniel de Mendonça e Joanildo Burity.

Outros projetos se articulam com as traduções. A vinda de Ernesto Laclau para Escola de Altos Estudos em Teoria do Discurso, realizada pelo Programa de Pós-gradução em Educação da Uerj, sob a coordenação de Alice Casimiro Lopes, em 2013, com o apoio da CAPES, propiciou a divulgação de seu pensamento tanto para os estudantes e professores que assistiram suas aulas presencialmente quanto aos que acompanharam sua difusão em tempo real pela internet. Em 2014, por ocasião do III Encontro Internacional de Ciências Sociais, realizado pela Universidade Federal de Pelotas, Ernesto Laclau foi o teórico homenageado. O evento organizou uma mesa redonda dedicada especialmente à discussão interdisciplinar acerca da obra deste autor, que contou com as participações de Alice Casimiro Lopes, Daniel de Mendonça, Gloria Perelló (Universidad de Buenos Aires) e Léo Peixoto Rodrigues. Além da mesa, um grupo de trabalho foi dedicado exclusivamente à discussão da teoria do discurso, a partir das mais variadas perspectivas das ciências humanas. Dando continuidade a essa discussão, está previsto para setembro de 2015, também na Universidade Federal de Pelotas, o I Simpósio pós-estruturalismo e teoria social: o legado transdisciplinar de Ernesto Laclau, um evento internacional organizado pelos Programas de Pós-Graduação em Ciência Política e em Sociologia. O Simpósio terá conferências, mesas redondas e grupos de trabalho, com o objetivo de reunir pesquisadores para discussões em torno da teoria laclauniana do discurso, numa perspectiva transdisciplinar.

Em movimentos como esses aqui mencionados e outros menos tangíveis, ou mesmo intangíveis, surgiu a proposta de organizar o presente livro. Mantendo a perspectiva transdisciplinar, por vezes anti-disciplinar, os artigos aqui reunidos visam a difusão da teoria do discurso, mas também visam expressar sua tradução para problemáticas que não necessariamente seriam pensadas pelo próprio Ernesto Laclau. As entrevistas, por sua vez, são inéditas e apresentam as respostas de Ernesto a questionamentos e discussões decorrentes das investigações realizadas em diferentes campos no Brasil. Trazemos também um texto de Laclau e Mouffe, inédito em língua portuguesa.

Apresentamos inicialmente a entrevista organizada pelo Programa de Pós-graduação em Educação (ProPEd) e pelo Programa de Pós-graduação em Sociologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), por ocasião da Escola de Altos Estudos na Uerj, e realizada presencialmente por Alice Casimiro Lopes e Frédéric Vandenberghe (IESP/UERJ) no auditório do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP/UERJ) junto a um público de estudantes e professores das áreas de Ciências Humanas e Sociais. Essa entrevista contou com a participação da Profa. Kathya Araujo, da Universidad Academia de Humanismo Cristiano, no Chile, pesquisadora visitante no IESP/UERJ, em 2013.

Foi uma atividade marcada, portanto, pelo profícuo caráter transdisciplinar que também marca a obra de Ernesto Laclau. Ernesto Laclau era um professor muito atuante na instituição onde trabalhava, que se orgulhava de seu trabalho na pós-graduação e de nunca ter deixado de levar um aluno à defesa. Com sua atuação dirigindo o Centro para Estudos Teóricos em Ciências Humanas e Sociais (Centre for Theoretical Studies in the Humanities and Social Sciences), contribuiu para a abertura à participação de estudantes estrangeiros de todo mundo e para internacionalização da teoria do discurso. Pessoalmente, ele preferia ser considerado um filósofo, mas seu trabalho interconecta as discussões da política, da psicanálise, das ciências humanas e sociais de forma geral. Esta entrevista, então, permite a apresentação de Ernesto para o público eventualmente não familiarizado com sua obra, bem como situa sua trajetória acadêmica e sua concepção de Universidade.

Em uma tradução especialmente realizada para este livro, apresentamos o artigo Pós-marxismo sem pedido de desculpas, escrito por Ernesto Laclau, com Chantal Mouffe, como resposta a Norman Geras, então professor emérito no Departamento de Governo da Universidade de Manchester, com larga publicação sobre marxismo, e crítico da perspectiva discursiva. Este texto, ainda que se refira a um debate do fim dos anos 1980, mostra-se extremamente atual, na medida em que muitas dessas críticas – sobre as relações ôntico/ontológico, realismo/idealismo e sobre o marxismo – permanecem sendo objeto de discussão. A resposta de Ernesto e Chantal situa de forma muito clara seus questionamentos aos críticos do pós-estruturalismo e, desse modo, permitem um entendimento mais rigoroso dos enunciados do pós-marxismo.

Em seguida, incluímos o artigo de Daniel de Mendonça Pensando (com Laclau) os limites da democracia. Este texto focaliza uma discussão central na ciência política: a democracia e os atuais movimentos sociais. Tem como pano de fundo as críticas contemporâneas que a democracia liberal representativa e o capitalismo global vêm recebendo de movimentos, tais como Occupy Wall Street, Los Indignados, entre outros, além dos recentes avanços eleitorais de partidos políticos europeus de esquerda, como o Syriza, na Grécia, e o Podemos, na Espanha (estes últimos declaradamente influenciados pela teoria do discurso de Laclau). A questão central da reflexão do texto é a seguinte: o que torna a teoria da hegemonia tão atraente como projeto político para as novas experiências de esquerda nesta virada de século?

Incluímos, posteriormente, dois textos que focalizam os temas religião e educação, respectivamente, distintos das questões políticas mais gerais que compõem o pensamento de Laclau. Esses são exemplos do movimento mais amplo que faz a teoria do discurso transpor suas usuais fronteiras no campo político.

Joanildo Burity, em seu texto Encarnação, contingência, política do nome: “religião” como ferramenta analítica e prática social-histórica na obra de Ernesto Laclau, defende que Laclau, desde os anos 1990, recorre às categorias encarnação, experiência mística, bem como à problemática da teologia negativa no desenvolvimento de sua teoria do discurso. Ernesto desenvolve essa incorporação sem em nenhum momento abordar os estudos de religião ou o tema sociológico-político da religião. Neste artigo, Joanildo investiga a contribuição específica de categorias religiosas ou mesmo teológicas ao pensamento de Laclau sobre a política em um enfoque discursivo. A hipótese do autor é de que, mesmo sem estudar ou fazer referências às lutas políticas que envolvem identidades religiosas, Laclau admite esse campo como um dos possíveis espaços de luta hegemônica.

Alice Casimiro Lopes, em seu artigo Normatividade e Intervenção Política: em defesa de um investimento radical, salienta que a questão da normatividade se agudiza quando se trata de pensar a política curricular (e educacional) das futuras gerações. A autora defende a produtividade do que vem sendo denominado déficit normativo da teoria do discurso, argumentando que esse déficit consiste mais apropriadamente em um vazio normativo. Por meio dessa argumentação, questiona a proposta de uma normatividade para o currículo e para o conhecimento escolar, realizando um confronto com perspectivas normativas da área e, simultaneamente, defendendo um investimento radical no campo do currículo, simultaneamente teórico e político.

Finalizamos o livro com uma segunda entrevista com Ernesto Laclau, realizada por Alice Casimiro Lopes e Daniel de Mendonça, focalizando as noções de antagonismo, deslocamento, ideologia, democracia, populismo. Nessa entrevista, Ernesto se reafirma como um intelectual de esquerda que teorizava ao mesmo tempo em que se posicionava sobre as revoluções de nosso tempo.

O curso ministrado por Ernesto na Escola de Altos Estudos na UERJ foi seu último curso, ministrado como professor visitante, em uma Universidade. Ele veio a falecer poucos meses depois, em Sevilha, na Espanha, no dia 13 de abril de 2014. Deixou saudades em todos nós, alunos e professores, em seus amigos, não apenas por sua contribuição intelectual, mas pela generosidade com que acolhia nossas questões e pela amizade que construiu no Brasil. Que a divulgação de sua obra e dos textos que articulam suas questões teóricas a outras problemáticas possa ser uma forma de continuarmos nossa conversa com Ernesto Laclau. Este livro aposta nesta possibilidade e em tantas outras leituras imprevistas que, talvez, quem sabe?, possam fertilizar o campo das Ciências Humanas e Sociais.

Alice Casimiro Lopes; Daniel de Mendonça

Sumário:

Referências Bibliográficas: LACLAU, Ernesto (1993). Power and representation. In: Poster, M. Politics, Theory and Contemporary Culture. New York, Columbia University Press, p. 277-297. SISCAR, Marcos (2013). Jacques Derrida – literatura, política e tradução. São Paulo, Autores Associados.

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