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Sociedade e Pesquisa: A americanização do ensino elementar no Brasil

Ano: 2002

Autor(es): Edil Vasconcelos de Paiva e Léa Pinheiro Paixão

Editora:

Número de Páginas: 192

ISBN: 8522803460

Apresentação:

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Em 1956, sendo Juscelino Kubistcheck Presidente da República e tendo como ministro da Educação e Cultura o também mineiro Clóvis Salgado, foi assinado um acordo entre o Brasil e os Estados Unidos, visando a constituição de um programa de assistência ao Ensino Primário, que ficou conhecido por sua sigla – PABAEE (Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar). O acordo que possibilitou o início do programa foi assinado em 22 de junho de 1956 pelo Ministro da Educação, pelo Governador do Estado de Minas Gerais (José Francisco Bias Fortes) e pelo diretor da United States Operation Mission to Brazil – USOM/B (William E. Warne) e previa seu encerramento em 30 de junho de 1961. Acordos posteriores prorrogaram a duração desta assistência até 1º de agosto de 1964. Coube ao INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos), órgão vinculado ao MEC, a execução do Programa (Portaria nº7 de 15-01-1957 do MEC). Neste período funcionavam os Centros Regionais de Pesquisa mantidos pelo INEP, que deslocaram a ênfase psicológica, até então dominante nos estudos sobre educação, para a sociológica (GOUVEIA, 1971). Em torno de Anísio Teixeira, diretor do INEP, constitui-se uma “rede de educadores e cientistas sociais”, buscando viabilizar, institucionalmente, sua proposta de produzir “o levantamento sistemático das questões que pretendia atacar em termos políticos e administrativos no campo educacional” (CORRÊA, 1988, p. 14,19). O INEP constituía-se em centro aglutinador e estimulador de experiências de renovação pedagógica (SAVIANI, 1984).

A análise do ensino primário indicava um certo consenso em torno da necessidade de diminuir os índices de evasão e repetência – considerados empecilhos aos compromissos de generalização de uma educação gratuita e obrigatória -, de ampliar a duração deste nível de ensino, de qualificar professores primários diminuindo o percentual de professores leigos e de melhorar a qualidade do material de ensino. Em 1956, segundo resultados de pesquisa do INEP, o Brasil contava com 50 mil professores leigos e 70 mil diplomados (CALDEIRA, 1956).

A proposta de promoção automática como estratégia de enfrentamento dos altos índices de evasão e repetência na escola primária, que era defendida em artigos publicados pela Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, publicação do INEP, foi objeto de referência do discurso pronunciado por Kubistcheck na solenidade de formatura do Instituto de Educação de Minas Gerais ao final de 1956 e era experimentada em escolas no então Distrito Federal. Esta estratégia pedagógica, no entanto, não obtinha adesão de todos. O sociólogo Luís Pereira, por exemplo, avaliou-a como inadequada ao estágio de desenvolvimento em que se encontrava o sistema de ensino brasileiro, muito diferente dos sistemas dos países do primeiro mundo onde se implantara (PEREIRA, 1958).

Os objetivos do acordo de assistência técnica ao ensino primário, assinado com os americanos, se enquadravam nas prioridades do INEP e nas demandas formuladas pelos intelectuais do campo pedagógico que se ocupavam das questões relativas aos problemas daquele nível de ensino. Tratava-se, basicamente, de um programa que visava a qualificação do professor primário. Dois eixos de atuação orientavam aquela assistência: o treinamento de professores de escolas normais e a produção de materiais didáticos para apoio ao ensino em escolas primárias e normais de todo o país. Como estratégia, seria montado um centro-piloto em Belo Horizonte.

A participação de professores e pesquisadores estrangeiros em projetos de educação não constituía novidade. No INEP, Anísio Teixeira contara com a participação de professores americanos e europeus na concepção dos centros de pesquisa e no desenvolvimento de pesquisas e projetos que foram neles executados.

A implantação efetiva do centro-piloto em Belo Horizonte encontra resistências. Algumas delas vêm de setores nacionalistas associados a grupo de educadores católicos. Também são enfrentadas resistência de professores dentro do Instituto de Educação, instituição que deveria acolher o PABAEE e que inicialmente se mostrara receptiva à idéia da assistência técnica americana. Isto não impede que o Programa se instale e se estruture para atingir os objetivos propostos. Um certo clima de hostilidade por parte de setores nacionalistas se manteve mas não chegou a comprometer o trabalho no PABAEE. Em 1963, no governo de João Goulart, ocorreu a tentativa, não efetivada, de intervenção no Programa.

Pesquisadores do campo da educação consideram que o trabalho desenvolvido no âmbito do PABAEE exerceu influência em certas dimensões do ensino primário brasileiro. Moreira (1990) refere-se a esta influência no campo do ensino do Currículo; Bernardes (1983), Garcia (1988) e Silva Júnior (1986) identificaram dimensões na constituição da supervisão escolar no Brasil que trazem marcas da orientação do PABAEE. Outros autores enfatizam o peso que o PABAEE teve na difusão da perspectiva tecnicista no tratamento dos problemas de educação (BARRETO, 1979; MOREIRA, 1990; LIBÂNEO, 1989). Estudos em realização apontam a presença da atuação do PABAEE na evolução do ensino das disciplinas das séries iniciais do Primeiro Grau, como Português, Estudos Sociais e Matemática, e na organização da Educação Infantil em Minas Gerais.

Para Santos (1981, p. 57), a experiência do PABAEE “prefigura o sentido das inúmeras reformas desencadeadas após 1964”. Para ele, as ambigüidades do período (projeto nacional desenvolvimentista associado a relações de dependência econômica) se expressam ao nível da educação tomando como referência o PABAEE e o MEB (Movimento de Educação de Base). Os dois “apresentam concepções bastante diversas, embora se refiram à articulação entre desenvolvimento educação”.

A história do PABAEE é marcada por ambigüidades. Apesar do reconhecimento que seu trabalho obteve junto a setores do ensino primário em vários estados durante o período 1956-1964 e depois, quando sua estrutura e seu pessoal foram incorporados ao Centro Regional de Pesquisas, ela é ignorada tanto pela instituição onde se instalou – o Instituto de Educação – como pelo órgão federal responsável pela execução do acordo – o INEP. Sua história é a de um filho rejeitado.

Ao iniciar a pesquisa¹ que deu origem a este estudo, surpreendeu-nos a ausência, na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos – que divulgava textos de análise, propostas e experiências relativas ao Ensino Primário -, de artigos ou notícias sobre o que se fazia no PABAEE. No período em que se preparou e se instalou o centro-piloto, naquela revista foi encontrada apenas uma referência (Revista…, 1957, p. 263)ao fato na seção de Atos Oficiais: a cópia da Portaria do MEC que define a responsabilidade do INEP na execução do acordo.

O Instituto de Educação não assimilou o PABAEE nem durante sua permanência no prédio, conhecido com “a casa rosada”, nem em sua memória histórica. O PABAEE constituía-se numa espécie de gueto. Nas comemorações relativas aos 80anosde existência daquela instituição, 1986, não foi feita referência ao PABAEE.

Ambigüidades também marcam as memórias de algumas das ex-pabaeanas. Ao falarem sobre o PABAEE, associam sentimentos de orgulho pela participação nas atividades desenvolvidas a uma certa necessidade de apresentar justificativas às críticas que sabem que foram feitas ao Programa.

Dentre as motivações para este estudo, encontram-se aquelas derivadas da inexistência de uma reconstituição histórica da implantação e desenvolvimento do PABAEE. A abrangência do objetivo visado requereu a natureza exploratória para a investigação realizada. A atuação das pesquisadoras durante uma etapa de suas trajetórias profissionais na Divisão de Aperfeiçoamento do Professor (DAP), que deu continuidade à ação do PABAEE após o encerramento do acordo, constituiu outro motivo para a realização da pesquisa.

Esta publicação pretende contribuir para a discussão da educação brasileira na década que antecede o golpe militar de 1964, focalizando uma dimensão da história do ensino primário importante e ainda pouco estudara. Outras dimensões da assistência norte-americana à educação brasileira foram tratadas por José Oliveira Arapiraca (A USAID e a educação brasileira) e por Luiz Antônio Cunha (A Universidade Reformada – o golpe de 1964 e a modernização do ensino superior), no que se refere ao ensino secundário e ao ensino superior.

Na realização da pesquisa que deu origem a esta publicação, foram consultados os arquivos do Instituto Oficial do Estado de Minas Gerais, o arquivo do Departamento de Documentação e Divulgação do MEC; as bibliotecas do Instituto de Educação de Minas Gerais (UFMG), da Embaixada Americana, do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) e a Biblioteca Nacional. Foi fundamental na realização deste estudo a receptividade de ex-professoras do PABAEE e o acesso irrestrito aos arquivos do Instituto de Recursos Humanos João Pinheiro. Foram realizadas entrevistas com dez professoras que compuseram a equipe do PABAEE, três professoras do Instituto de Educação, dois pesquisadores do Centro Regional de Pesquisas de Minas Gerais, um ex-deputado, um ex-Ministro de educação. Um ex-Secretário de Educação do Estado de Minas Gerais e ex-diretor técnico do PABAEE respondeu a um questionário. Para complementação dos dados sobre a participação dos técnicos americanos no PABAEE, foram efetuadas comunicações com o Centro de Referência da USAID e com o Bureau for Development Support, ambas instituições localizadas em Washington. Tais contatos possibilitaram a obtenção de documentação significativa: cópias de relatórios de trabalho de técnicos americanos no país, relatos de outro programas de assistência técnica americana no Brasil e outros países da América Latina e listagens de publicações. Foram também consultados jornais de circulação expressiva em Minas Gerais à época: O Diário, O Binômio, Estado de Minas, Diário do Comércio, Minas Gerais (diário oficial do Estado) e Diário da Assembléia além de O Semanário e o Diário Oficial da União, ambos de origem do Rio de Janeiro.

Esse texto apresenta resultados dos trabalhos realizados sob a forma de um relatório de pesquisa.

O primeiro capítulo trata das reações à implantação do centro-piloto do Programa por parte de setores políticos e educacionais, reações que têm certa visibilidade da imprensa local. Era o ano de 1957. Estava relativamente disseminada na sociedade brasileira um sentimento anti-americano. O acordo de assistência técnica foi criticado, em Minas, por estudantes secundaristas e universitários, por políticos nacionalistas e por educadores. Também sofreu oposição de educadores católicos. Católicos e nacionalistas uniram-se em algumas atividades públicas para colocá-lo em discussão, porém esta oposição produz poucos efeitos em seus termos.

No segundo capítulo, procurou-se priorizar a perspectiva dos americanos sobre os problemas do ensino primário brasileiro e sobre o perfil da assistência técnica. Foram explorados textos produzidos por americanos envolvidos no processo.

No capítulo seguinte, são descritas as principais atividades realizadas para a implantação do centro-piloto em Belo Horizonte considerando os objetivos iniciais do acordo. Como uma das atividades centrais do Programa era o curso de especialização, ele foi objeto de uma apresentação no Capítulo 4.

No Capítulo 5, é enfocada a ampliação dos objetivos perseguidos pelo Programa e os eventos que marcaram nele o fim da presença americana direta. Por fim, foi apresentada a incorporação do Programa ao Centro Regional de Pesquisas Educacionais, como a Divisão de Aperfeiçoamento do Professor (DAP).

O capítulo final aponta algumas pistas de análise que mereciam ser aprofundadas, outras emergem ao longo do texto de formas mais ou menos explícitas. O objetivo da publicação deste texto é socializá-las e estimular a produção de outros estudos.

[1] A realização da pesquisa contou em diferentes momentos com o apoio da CNPq, do INEP e da FAPEMIG. Parte do trabalho de pesquisa foi realizado com atividades das autoras na qualidade de docentes da Faculdade de Educação da UFMG. Trabalho que teve seqüência Na UERJ, para Edil Vasconcellos de Paiva e na UFF para Léa Pinheiro Paixão.

Edil Vasconcelos de Paiva & Léa Pinheiro Paixão

Sumário: Introdução [7] 1. O PABAEE no contexto mineiro [13] 1.1 A volta dos tempos de Francisco Campos [14] 1.2 A oposição de educadores católicos [18] 1.3 O debate e a aprovação do acordo na Assembléia Legislativa [29] 1.4 O filho bastardo do Instituto de Educação [39] 1.5 O conflito com a Associação dos Professores Primários [49] 1.6 Rupturas e continuidades [53] 2. A perspectiva dos americanos [57] 2.1 O ponto IV e a assistência técnica [58] 2.2 A atuação da USOM-B na Educação [61] 2.3 O ensino primário como fator de desenvolvimento [63] 2.4 As diretrizes gerais do programa [68] 3. Na implantação, a Escola Normal como prioridade [75] 3.1 Os objetivos iniciais [76] 3.2 A montagem do programa [80]   3.2.1  Preparação dos professores brasileiros nos EUA [82]   3.2.2  Organização do Centro-Piloto em Belo Horizonte [90] 3.3 O início do funcionamento [96]   3.2.1  Atendendo a demandas mineiras [96]   3.2.2  Acomodando-se na escola de demonstração [101]   3.2.3  Organizando-se para produzir materiais didáticos [106] 3.4 Buscando a dimensão nacional [108] 4. Os cursos de aperfeiçoamento de professores [117] 5. Ampliação de objetivos e tensões no governo Goulart [129] 5.1 Currículo e supervisão do ensino ganham espaço [132] 5.2 O acordo é denunciado pelo ministro Paulo de Tarso [139] 5.3 O projeto continua sem os americanos [142] 6. O PABAEE na história do ensino primário – puxando alguns fios [149] 6.1 O sucesso do acordo [150] 6.2 Pensando o ensino primário nos anos 50/60 [153]   6.2.1  No PABAEE – o tecnicismo [154]   6.2.3  No INEP – a dimensão cultural da escola [159] 6.3 PABAEE e o projeto desenvolvimentista de JK [163] 6.4 Reflexões finais [168] Anexos   A) Acordo firmado em 22 de junho de 1956 entre o Ministério da Educação e Cultura, o Governo do Estado de Minas Gerais e o U. S. Brazilian Assistance to Elementary Education [171] B) Listagem dos professores que estudaram na Universidade de Indiana como bolsistas do PABAEE entre 1956/1964 [117] Referências [183]

Referências Bibliográficas:

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