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Currículo, Práticas Pedagógicas e Identidades

Ano: 2002

Organizador(es): Antonio Flavio Barbosa Moreira e Elizabeth Fernandes de Macedo

Editora: Porto

Número de Páginas: 160

ISBN: 9720348100

Apresentação:

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A preocupação com o currículo, nos dias de hoje, expressa-se no significativo número de reformas curriculares dos diferentes graus de ensino que se formulam em diversos países. Os esforços por definir e controlar o que deve ser ensinado e aprendido nas escolas têm sido acompanhados de medidas que buscam estabelecer mecanismos de avaliação nas e das instituições educacionais, bem como de novas regras e diretrizes para a formação inicial e continuada do professorado. Assim, currículo, avaliação e formação docente têm representado os principais focos dos processos contemporâneos de reformulação das políticas e dos sistemas educacionais.

Se todas essas mudanças têm sido associadas à ideologia neoliberal que se vem tornando hegemônica no mundo contemporâneo, é importante compreender que elas se inserem em um projeto mais amplo de globalização e internacionalização. Como se tem exaustivamente enfatizado, o fenômeno da globalização pode ser atribuído, dominantemente, à difusão, por todo o planeta, de corporações transnacionais, que assumem, de forma inusitada, papel de relevo na economia capitalista contemporânea, promovendo, como conseqüência, o enfraquecimento dos Estados-Nação.

Mas a globalização envolve, além de fatores econômicos, aspectos políticos, sociais, e culturais. Alguns autores (Featherstone, 1997; Sousa Santos, 1997; Luke e Luke, 2000) mostram-se mais sensíveis a esses últimos aspectos, acentuando que todas as recentes transformações econômicas, para serem melhor entendidas, precisam ser situadas nos contextos culturais em que ocorrem. Para eles, globalização econômica e globalização cultural articulam-se, sem que a primeira constitua elemento determinante da segunda.

Se definirmos a globalização cultural como o processo por meio do qual o mundo se torna “um só lugar”, poderíamos concluir que vivemos em um único mundo. Nele, caminharíamos, inexoravelmente, para um estágio crescente de homogeneidade cultural, particularmente marcado pela americanização, dada a inegável hegemonia econômica, política e cultural dos Estados Unidos. No entanto, segundo Featherstone (1997), não cabe afirmar que existe ou existirá uma cultura mundial unificada, algo próximo a uma estrutura social de um Estado-Nação e de sua cultura nacional, em dimensão ampliada.

Por um lado, é verdade que se pode verificar a existência de uma cultura global no sentido restrito de “terceiras culturas”, resultantes dos problemas práticos de lidar com fluxos culturais intensificados entre as nações, e que são constituídas por práticas, conhecimentos, convenções e estilos de vida desenvolvidos transnacionalmente. Essas terceiras culturas têm função mediadora, operam com relativa independência dos Estados-Nação e, por mais que sofram a influência dos valores americanos, refletem também outras manifestações culturais e incluem aspectos particulares das culturas locais.

Por outro lado, se o globo é um espaço finito, limitado, para o qual todos os Estados-Nação são inevitavelmente atraídos, pode-se dizer que ele age como limite e espaço comuns, no qual nossos encontros e práticas se situam (Featherstone, 1997). No globo, a crescente intensidade dos fluxos culturais que se vêm realizando tanto nos familiariza com a diversidade cultural como produz entrechoques culturais. Nesse último caso, pode-se ter como conseqüência a luta por melhor delimitação de fronteiras entre “nós” e “eles”, com a redescoberta e o reforço da particularidade, do localismo e da diferença. Em outras palavras, a complexidade de todas essas interações tanto pode produzir o pós-modernismo, como fundamentalismos, discriminações e opressões.

Nesse intrincado panorama, geram-se novas formas de comunicação intercultural, de comunidades e de identidades. Conforme acentua Gilroy (199), a identidade importa, não só como conceito, teoricamente, mas também como fato contestado da vida política contemporânea. A identidade oferece meio de compreendermos a interação entre nossa experiência subjetiva do mundo e os cenários culturais em que as subjetividades se formam.

A identidade cultural é, então, o conjunto das características pelas quais os grupos se definem como grupos. Compreende, assim, aquilo que eles são, demarcando, ao mesmo tempo, aquilo que eles não são, aquilo que os torna distintos de outros grupos. Identidade, portanto, refere-se tanto a um pertencimento compartilhado como à diferença. Identidade e diferença são, em síntese, processos inseparáveis. Cabe acrescentar que a identidade não existe naturalmente: é construída pelo próprio grupo e pelos demais grupos. Nada “naturalmente” comum liga os diversos indivíduos de um grupo, ainda que certas condições ‘sociais’ façam com que os grupos se vejam como apresentando determinadas características em comum: sexo, ‘raça’, orientação sexual, nação (Silva, 2000).

A questão da identidade e da diferença encontra-se bastante presente no pensamento pedagógico atual. Para Burbules (1997), essa preocupação reflete: (a) a rejeição pós-moderna às narrativas mestras; (b) uma tendência política, em que determinados grupos procuram defender direitos e aspectos próprios em vez de interesses e necessidades comuns; e (c) modelos de identidade que destacam seu caráter descentrado, fragmentado e contraditório da subjetividade.

Particularmente no discurso sobre currículo, o tema da identidade tem atraído a atenção de diversos autores do campo. Pode-se dizer que a teorização curricular propõe formas de seleção e de organização de experiências de aprendizagem em que conhecimentos se ensinam e se aprendem visando a produzir determinadas identidades sociais e culturais. Nos cursos de formação de professores e no aprendizado que se desenvolve na prática docente formam-se também certas identidades profissionais. Os currículos, portanto, ajudam a produzir sujeitos específicos, certos homens, certas mulheres, certos professores, certas professoras. Os currículos contribuem, em síntese, para a construção do que somos e do que não somos.

Voltamos ao início desta introdução. Se os currículos nos tornam o que somos, nos constróem como “devemos” ser construídos, cabe pensar que identidades estão sendo produzidas pelos atuais currículos, tanto das escolas como dos cursos que formam o professorado. Cabe pensar que identidades gostaríamos de ver produzidas e que medidas precisaríamos tomar para produzi-las.

A presente coletânea enfoca esta questão. Não pretende, nem poderia, esgotá-la, mas dispõe-se a oferecer subsídios para nossas reflexões, nossos projetos e nossas práticas.

O texto de Antonio Flavio Moreira e Elizabeth Macedo sublinha a importância de se levarem em conta as questões da identidade e da diferença nas teorias, nas políticas e nas práticas curriculares. Sustenta que uma leitura crítica da visão pós-moderna da identidade pode contribuir significativamente para as reflexões e as decisões no campo do currículo.

O artigo de Tomaz Tadeu da Silva propõe que a teorização sobre currículo inclua discussões sobre conhecimento e verdade; sujeito e subjetividade; poder; e valores. Baseia-se em Nietzche para defender uma teoria do currículo perspectivista que conceba o conhecimento como um recorte e colagem de criações particulares e que enfatize o processo de subjetivação ao invés do sujeito. Essa teoria deve também procurar desestabilizar a universalização dos valores e questionar as condições de invenção e de imposição do currículo.

O artigo de Alfredo Veiga-Neto aborda as modificações que a telemática vem trazendo para a compreensão dos conceitos de tempo e espaço e destaca algumas implicações dessas alterações para o currículo. As argumentações apresentadas constituem importante subsídio para nossas considerações sobre o efeito que as novas tecnologias possam estar tendo na construção das identidades.

O texto de Bento Duarte da Silva argumenta que o uso das novas tecnologias da informação e da comunicação pode mudar radicalmente a escola e o currículo, facilitando a criação de novas comunidades de aprendizagem. Segundo o autor, isso significa integrar a escola no contraditório processo de globalização em que fluxos multidirecionais permitem a participação no global e a manutenção da autonomia e da identidade locais.

Alice Ribeiro Casimiro Lopes analisa as identidades pedagógicas projetadas pela Reforma de Ensino Médio no Brasil. Fundamentando-se em Bernstein, conclui que tal proposta curricular visa a construir identidades pedagógicas descentradas com base no mercado, marcadas pela dependência da prática pedagógica ao mercado. A essa intenção associa-se, segundo a autora, a recontextualização de discursos voltados para a produção de identidades descentradas terapêuticas, nomenclatura utilizada por Bernstein para referir-se às identidades associadas às posturas progressistas.

O foco de Ana Maria Costa e Silva é a formação contínua dos docentes portugueses. Analisa a legislação atual sobre essa temática e discute o papel da reflexão na construção da identidade profissional do professorado. Procura mostrar que os dispositivos legais portugueses sobre o tema em pauta são ambivalentes, enfatizando tanto competências instrumentais como dinâmicas reflexivas.

Maria Palmira Carlos Alves enfoca as três orientações dominantes na avaliação da aprendizagem – sumativa, formativa e formadora. Estabelece as distinções entre: (a) objetos e critérios de avaliação; (b) meios e utensílios; (c) dispositivo de avaliação / situação de remediação. Sustenta que uma avaliação integrada, formativa e formadora, contribui para o desenvolvimento de competências variadas no aluno e, conseqüentemente, para o desenvolvimento da identidade profissional do professor.

Esperamos que os textos incluídos na coletânea estimulem o leitor a refletir sobre como a dinâmica social e cultural contemporânea influi na formação de identidades e como devem o currículo e a avaliação responder de forma criativa aos desafios que se apresentam.

Antonio Flavio Barbosa Moreira & Elizabeth Fernandes de Macedo

Sumário:

Apresentação Antonio Flavio Barbosa Moreira & Elizabeth Fernandes de Macedo [6]
1. Currículo, identidade e diferença Antonio Flavio Barbosa Moreira & Elizabeth Fernandes de Macedo [11]
2. Dr. Nietzche, curriculista – com uma pequena ajuda do Professor Deleuze Tomaz Tadeu da Silva [35]
3. Currículo e telemática Alfredo Veiga-Neto [53]
4. A inserção das tecnologias de informação e comunicação no currículo- repercussões e exigências na profissionalidade docente Bento Duarte da Silva [65]
5. Identidades pedagógicas projetadas pela reforma do ensino médio no Brasil Alice Casimiro Lopes [93]
6. Formação contínua de professores, construção de identidade e desenvolvimento profissional Ana Maria Costa e Silva [119]
7. A avaliação e o desenvolvimento profissional do professor Maria Palmira Carlos Alves [138]

Referências Bibliográficas: BURBULES, Nicholas C. (1997). A grammar of difference: some ways of rethinking difference and diversity as educational topics. Australian Education Researcher, 24(1), 97-116. FEATHERSTONE, Mike (1997). O desmanche da cultura: Globalização, pós-modernismo e identidade. São Paulo: Studio Nobel/SESC. GILROY, Paul (1997). Diaspora and the detours of identity. In Kathryn Woodward (ed.), Identity and difference. London: Sage. LUKE, Allan & LUKE, Carmen (2000). A situated perspective on cultural globalization. In Nicholas C. Burbules & Carlos Alberto Torres (eds.), Globalization and education: Critical perspectives. New York: Routledge. SILVA, Tomaz Tadeu da (2000). A poética e a política do currículo como representação. In José Augusto Pacheco (org.), Políticas de integração curricular. Porto: Porto Editora. SOUSA SANTOS, Boaventura (1997) Toward a multicultural conception of human rights. Zeitschrift für Rechtssoziologie, 18(1), 1-15.

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