Ano: 2002
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Número de Páginas: 220
ISBN: 8574901296
Apresentação:
Não é de hoje que diferentes formas de integração são defendidas para os currículos escolares, a partir de perspectivas teóricas as mais distintas. Também não é de hoje que críticas à organização curricular disciplinar são elaboradas. A despeito disso, o currículo disciplinar permanece sendo a organização dominante em nossas escolas. Tal constatação por si só seria suficiente para demonstrar que a relação entre integração curricular e disciplinas escolares merece uma problematização maior que nos afaste da simples dicotomia entre currículo integrado e currículo disciplinar.
Há, no entanto, ainda outros argumentos favoráveis à necessidade de investigação dessa problemática. O desenvolvimento dos estudos sobre cultura escolar e sobre história das disciplinas, em anos recentes, tem ampliado as discussões até então desenvolvidas no campo da história do currículo, chamando a atenção para a forma como a dinâmica interna da escola atua na constituição das disciplinas. Outro aspecto a salientar é a centralidade que as reformas curriculares vêm assumindo nas políticas educacionais atuais, tanto no Brasil quanto no exterior. Nessas reformas, em diferentes níveis de ensino, as mudanças na organização curricular têm sido um dos eixos principais. Assim, são propostas áreas interdisciplinares, temas transversais, áreas de projeto, currículos por competências.
É ainda importante ressaltar que, da mesma forma que as políticas educacionais, a apropriação que delas é feita também não é homogênea, permitindo recriações dos sujeitos envolvidos no fazer curricular. Ainda assim, acreditamos que os estudos sobre propostas curriculares se justificam na medida em que permitem analisar os projetos políticos, econômicos e sociais construídos em um determinado momento histórico, facilitando, também, a compreensão da dinâmica envolvida no funcionamento dos sistemas educativos. Buscando enfrentar essas e outras questões correlatas, reunimos neste livro textos de diferentes autores que vêm pesquisando sobre o tema.
O artigo de Luciano Mendes de Faria Filho, Escolarização, culturas e práticas escolares no Brasil, defende as novas perspectivas teórico-metodológicas que a História da Educação vem desenvolvendo sobre a escola. Essa defesa é feita pelo autor ao focalizar o que denomina como os elementos chaves componentes do fenômeno educativo: tempos, espaços, sujeitos, conhecimentos e práticas escolares. A partir desses elementos, ele analisa a mudança radical ocorrida em nossa sociedade, do iníco do século XIX aos dias de hoje, no que diz respeito sua relação com a escola: a passagem de uma sociedade sem escolas para uma sociedade com a quase totalidade de nossas crianças na escola. Nessa análise da cultura escolar, entra em jogo a interpretação de como vão surgindo no currículo brasileiro a seriação e a organização disciplinar e quais suas conseqüências para a escolarização e, dessa, para a cultura social mais ampla.
O artigo de Dominique Julia, Disciplinas escolares: objetivos, práticas reais de ensino e seus resultados, por sua vez, discute a pesquisa em história das disciplinas escolares, argumentando que esse campo de estudos deve levar em conta, não apenas os objetivos associados às disciplinas, mas também as práticas reais de ensino e a apropriação dos conteúdos por parte dos alunos. O aumento do escopo dos estudos históricos das disciplinas escolares traz dificuldades metodológicas, especialmente no que concerne às fontes utilizadas. Fazendo um amplo levantamento dos estudos sobre história das disciplinas na França dos séculos XVI a XIX, o autor apresenta e discute os cuidados metodológicos que os historiadores do currículo devem ter ao substituir as análises macroscópicas pelo estudo dos funcionamentos internos específicos de cada escola.
Em nosso próprio artigo, A estabilidade do currículo disciplinar: o caso das ciências, analisamos a disciplina Ciências como uma tentativa de integração dos campos de referência, entendendo a disciplina escolar como diferente da disciplina científica. Argumentamos que o fato de os currículos se organizarem em uma matriz disciplinar não impede que se criem diferentes mecanismos de integração, seja pela criação de disciplinas integradas, seja pela tentativa de articulação de disciplinas isoladas.
Em ambos os casos, a matriz disciplinar persiste como instrumento de organização e de controle, independentemente do discurso de articulação. Com base nessa argumentação, procuramos entender porque foi criada a disciplina escolar Ciências no nível intermediário entre os níveis de ensino primário e médio, ao invés de terem sido criadas disciplinas com base nas ciências de referência. A partir daí, buscamos compreender porque os processos de integração mantêm a estrutura disciplinar.
Silvina Gvirtz et al, no artigo intitulado A politização do currículo de Ciências nas escolas argentinas (1870-1950), argumentam que os conteúdos de ensino em ciências foram selecionados e organizados em disciplinas de modo a buscar resolver conflitos ideológicos. Para sustentar sua argumentação, apresentam dois estudos sobre as formas como determinados assuntos são introduzidos e posicionados no currículo, buscando identificar os componentes ideológicos dessa seleção e organização. Tratam especificamente dos campos da Astronomia e da Cosmografia e das teorias da evolução. Concluem que existem relações complexas entre as Ciências Naturais, a instituição escolar e a política.
O artigo de Elizabeth Macedo, Currículo e competências, analisa como a utilização da noção de competência vem respondendo, na teorização curricular, a novas formas de organização do saber e do trabalho na sociedade contemporânea. Nos documentos curriculares para a educação básica, a autora identifica três inspirações principais: a tradição francesa de competência; o comportamentalismo americano das teorias de competência e as abordagens contemporâneas de conhecimento e mercado, que vêm dando destaque a saberes não-disciplinares. Compreendendo as políticas de elaboração curricular como híbridos de muitas tradições em conflito, a autora defende a necessidade de se buscar entender como se configuram os mecanismos de poder e quais as finalidades sociais da transição do currículo disciplinar para um currículo orientado por competências.
No artigo de Alice Casimiro Lopes, Parâmetros curriculares para o ensino médio: quando a integração perde seu potencial crítico, o foco volta-se para as atuais políticas curriculares para o ensino médio. A autora analisa os parâmetros curriculares nacionais para o ensino médio (PCNEM) e defende o quanto a potencialidade crítica do discurso sobre integração curricular dominante na história do currículo encontra-se significativamente minimizada nessa proposta curricular oficial. Nela, há uma hibridização de discursos produzidos em matrizes teóricas diversas, sendo dominantes os princípios associados ao currículo por competências. Ao hibridizarem tais discursos, os PCNEM recontextualizam os discursos sobre currículo integrado e sobre disciplinaridade, abrindo espaço para perspectivas ideológicas conservadoras. Dessa forma, a utilização do discurso sobre integração curricular tem sobretudo a função de legitimar as propostas curriculares oficiais, contribuindo para garantir seu suposto caráter inovador.
No artigo de José Augusto Pacheco, Area de Projecto: uma componente curricular não-disciplinar, é analisada a recente reforma curricular portuguesa do ensino secundário, no que se refere às formas de organização curricular. Argumentando que os conteúdos são selecionados, organizados e transmitidos em função de determinados códigos curriculares, o autor utiliza dois tipos de código de organização curricular: o burocrático e o relacional. Afirma que a parte do currículo português organizada em disciplinas é dominante e segue o código burocrático, enquanto alguns outros dispositivos transdisciplinares são constituídos a partir do código relacional. Dentre os últimos, analisa especificamente a área de projeto, que privilegia a interação entre escola e realidade e propõe a inversão da lógica curricular da transmissão para o questionamento.
O artigo de Alfredo Veiga-Neto, Espaços e Currículo, focaliza algumas questões relativas à contribuição do currículo para a constituição do sujeito moderno. Na análise do autor, é também pelo currículo que aprendemos a conferir sentidos e fazer uso do espaço e, de maneira obrigatoriamente imbricada, do tempo. Nesse contexto, a integração e a transversalidade devem ser entendidas como invenções curriculares que representam novas configurações espaciais organizadas na pós-modernidade. É assim, como uma invenção curricular, que o autor analisa a atual proposta oficial de temas transversais para o ensino fundamental. Nesse sentido, a disciplinaridade não pode de forma alguma ser entendida como um dado natural. Ao contrário, seu questionamento nos remete obrigatoriamente às concepções de espaço e tempo que formamos e que nos formam.
Esperamos que esses textos possam colaborar no desenvolvimento de outros estudos, na análise de propostas curriculares e na reflexão sobre as práticas escolares.
Alice Casimiro Lopes & Elizabeth Macedo
Sumário:
Apresentação Alice Casimiro Lopes & Elizabeth Macedo | [7] |
Escolarização, culturas e práticas escolares no Brasil: Elementos teórico-metodológicos de um programa de pesquisa Luciano Mendes de Faria Filho | [13] |
Disciplinas escolares: objetivos, ensino e apropriação Dominique Julia | [37] |
A estabilidade do currículo disciplinar: o caso das ciências Alice Casimiro Lopes & Elizabeth Macedo | [73] |
A polítização do currículo de ciências nas escolas argentinas (1870-1950) Silvina Gvirtz, Angela Aisenstein, Alejandra Valerani & Jorge Cornejo | [95] |
Currículo e competência Elizabeth Macedo | [115] |
Parâmetros curriculares para o ensino médio: quando a integração perde seu potencial crítico Alice Casimiro Lopes | [145] |
Area de Projecto: uma componente curricular não-disciplinar José Augusto Pacheco | [177] |
Espaços e Currículo Alfredo Veiga-Neto | [201] |
Referências Bibliográficas: