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Pensando a Política com Derrida. Responsabilidade, Tradução, Porvir

Ano: 2018

Organizador(es): Alice Casimiro Lopes e Marcos Siscar

Editora: Cortez

Número de Páginas: 326

ISBN: 9788524926990

Apresentação:

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Os estudos derridianos, de forma associada ou não às discussões usualmente denominadas pós-estruturais, são muitas vezes questionados por se afastarem das questões de natureza política. A discussão cerrada de determinadas noções teóricas manteria aparentemente à margem situações políticas de fato, cedendo a uma prática do pensamento vinculada à interpretação infinita, à retórica literária, à instabilidade ou à indecidibilidade conceitual, sem propor alicerces efetivos para as decisões políticas sobre os problemas contemporâneos que necessitam de soluções urgentes. Assim, a ausência de projeto e de compromisso pré-determinados com dada visão de história, bem como a opção pelo “relativismo” são críticas que perpassaram, e continuando perpassando, ao longo do tempo os debates em torno da obra de Derrida.

Este livro não tem a intenção de responder a essas velhas acusações. Não só porque muitos já se dedicaram a isso com profundidade, como porque julgamos que este caminho não é aquele no qual atualmente possamos contribuir, com Derrida, de forma produtiva no campo do político. Defendemos que não raro, a obra de Derrida serviu e vem servindo a desdobramentos que remetem às dimensões políticas da vida social, aprofundando, de certa forma, a própria centralidade da ideia de política. A leitura do discurso político mostra que, se os sentidos políticos não são necessariamente orientados por uma estrutura pré-existente, isto é, se há tradução, deslocamento, hierarquias identitárias colocadas em jogo, estamos sempre na iminência do indecidível em termos do espaço político. A política torna-se terreno de diálogo e de disputa que envolve a experiência do impossível e do necessário.

Apostamos, portanto, em certa desconstrução da política como programa, como projeção de um futuro determinado no presente, como controle e pura submissão à normatividade, como decisão no lugar do outro. Muitas vezes na história e fortemente nos dias atuais, a política é associada a uma pragmática, supostamente voltada para finalidades consideradas urgentes. É preciso reconhecer, com Derrida (2004), que essa pragmática constitui uma espécie de devaneio metafísico, que espera poder se libertar das aporias, das contradições, dos problemas concebidos como insolúveis. Esta política reduzida ao programável e ao pragmático, quando não é francamente autoritária, envolve uma restrição do caráter político. Já que não há uma política propriamente desconstrucionista (Bennington & Derrida, 2004), investimos na ideia de compromisso e numa democracia por vir. Conectamos política e responsabilidade, deixando o porvir ao por vir.

Optamos também pelo debate dessas questões limítrofes para além de nossas áreas de atuação específicas, respectivamente Currículo e Teoria Literária. Buscamos uma reafirmação política do alcance dos estudos derridianos, convidando pesquisadores de Ciências Sociais e Ciência Política, de Educação, de Filosofia, Literatura, Linguagem e Sociologia, leitores da obra de Derrida e de autores usualmente denominados pós-estruturalistas e pós-fundacionais, com interesse pela questão política. Consideramos que a reflexão interdisciplinar é necessária à compreensão dos discursos, dos sentidos e dos processos que envolvem a formalização dos objetos particulares.

Todavia, não concebemos essa interdisciplinaridade como tentativa de superar algum “mal” disciplinar ou de produzir uma síntese epistemológica supostamente superior a uma disciplina específica. Pensamos a interdisciplinaridade como possibilidade de lidar com as margens tradicionais das disciplinas, na linha do que Derrida (2003) argumenta como tarefa desconstrutiva das Humanidades. É também uma forma de oferecer diferentes leituras e traduções do “texto” derridiano, produzindo a travessia de fronteiras entre comunidades disciplinares.

A partir desse entendimento, propusemos aos autores convidados dar destaque e visibilidade aos momentos em que a reflexão derridiana se associa a lógicas ou a dispositivos que têm em vista situações de ordem ética ou política. Os textos produzidos nessa perspectiva nos surpreenderam positivamente tanto pela qualidade quanto pela criatividade de argumentos e temáticas. São textos que abordam políticas em um sentido amplo e plural: políticas de interpretação, políticas de arquivo, políticas de currículo, a política como conflito, crítica e antagonismo, a política do traduzir, a poética como política, a política como escuta de um outro.

Evando Nascimento em seu texto O debate Foucault e Derrida: políticas da interpretação começa por situar os conflitos em torno do cogito cartesiano, tratando-o como um recorte interpretativo do debate mais amplo entre esses dois titãs filosóficos mencionados em seu título. Por meio desse recorte, são focalizadas por Evando Nascimento as políticas interpretativas no cenário filosófico francês, das quais Derrida tira consequências em seu Políticas da amizade.

Em Arquivo e política em Jacques Derrida: notas introdutórias, Paulo Cesar Duque-Estrada parte de uma nota de Derrida incluída no livro Mal de arquivo para desenvolver uma discussão sobre a política de arquivo. O autor argumenta em defesa da posição derridiana de que o tratamento do arquivo é a questão política por excelência, envolvendo a dimensão da res publica.

Em Pensar como responder: o problema da responsabilidade política em Jacques Derrida, Marcos Siscar também explora a temática da responsabilidade, agora conectada à discussão do saber. Evocando determinada época da recepção de Derrida, o autor se propõe a discutir os impasses entre o direito de liberdade e criatividade das Humanidades e seu dever de resposta, a partir do modo pelo qual se concebe a própria ideia de resposta.

Alice Casimiro Lopes, em seu texto Sobre a decisão política em terreno indecidível, propõe um debate sobre as relações entre a teoria do discurso de Ernesto Laclau e a desconstrução de Jacques Derrida, defendendo que a primeira só é construída a partir da leitura da indecidibilidade. Explorando a política como decisão em terreno indecidível, a autora argumenta que a noção de deslocamento em Laclau é uma forma de aprofundar a articulação entre decisão e indecidibilidade, bem como refletir sobre o como se e o talvez derridianos.

Joanildo Burity, por sua vez, no texto Hospitalidade, amizade e os imperativos da ordem social, parte das controvérsias sobre Derrida no campo das Ciências Sociais e das Ciências Políticas para explorar dois temas caros ao pensamento derridiano: a hospitalidade e a amizade, em suas conexões com a responsabilidade. Nessa abordagem, o autor traz elementos de sua trajetória de pesquisa no campo das relações entre religião e política, com impacto para questões sociais hoje no Brasil.

Mais centralmente dirigidos ao campo da educação, com foco na teoria de currículo, vêm em seguida o texto de Elizabeth Macedo e o texto de Veronica Borges, em parceria com Hugo Heleno Camilo Costa e Érika Virgílio Rodrigues da Cunha.

No texto A teoria do currículo e o futuro monstro, Elizabeth Macedo dá seguimento a um projeto que busca desconstruir tradições curriculares que defendem a teoria como produção de regras visando a instituição de certa normatividade. Questionando tanto a possibilidade quanto a necessidade de uma teoria de currículo para pensar a educação de um outro singular por meio da noção de tempo, a autora argumenta contrariamente à ideia de uma teoria curricular que visa a projeção do futuro e desconsidera as dimensões do por vir.

No texto Desconstrução, alteridade e tradução: percursos investigativos nas políticas de currículo, Érika, Hugo e Verônica exploram de forma crítica o caráter teleológico no âmbito das políticas curriculares e discutem, a partir das noções de nome e tradução em Derrida, particularmente em Torre de Babel, a normatividade nas políticas de currículo atuais e sua pretensão de se constituírem como políticas de reconhecimento.

Milena Magalhães e Nabil Araújo apresentam dois textos nos quais são exploradas significativamente as relações entre desconstrução, política e literatura. No primeiro texto, A responsabilidade paradoxal do escritor: o testemunho na literatura brasileira contemporânea, Milena parte da memorável afirmação de Derrida de que “não há democracia sem literatura, nem há literatura sem democracia” para tematizar as relações entre responsabilidade, assinatura e literatura, a partir da interpretação da polêmica instituída quando o escritor Bernardo Carvalho afirmou publicamente que não se interessa se há ou não leitura, só lhe interessa fazer literatura.

Nabil Araújo, por sua vez, com o texto Julgamento inaugural, competência crítica e cultura democrática, conecta a desconstrução, com debates sobre crítica literária, formação do professor de língua e literatura e valores democráticos. O autor defende a crítica literária como campo de antagonismo, na perspectiva de Chantal Mouffe, e associa o ato crítico ao julgamento inaugural com Jacques Derrida. Sua argumentação visa a uma formação em crítica literária capaz de possibilitar o desenvolvimento de uma competência crítica aporética.

Explorando significativamente a noção de tradução, foram concebidos os textos de Viviane Veras e Maurício Mendonça Cardozo. Viviane Veras, com o texto O corpo das mulheres em cenas de tradução e perdão na comissão da verdade na África do Sul, conecta a discussão da tradução à do perdão por meio da abordagem sobre a não-tradução da palavra apartheid e sobre a relação entre tradutores e intérpretes, no trabalho da Comissão da Verdade na África do Sul, com foco nos relatos de mulheres.

Em Tradução e o (ter) lugar da relação, Mauricio Mendonça Cardozo desenvolve com Derrida, e também com Lévinas, as noções de responsabilidade e tradução como espaço de relação com o outro. O autor procura problematizar o entendimento do que vem ser esse outro, explorando três enunciados da filosofia e da literatura: um de Guimarães Rosa, outro de Paul Celan e outro ainda de Martin Heidegger.

Em seu conjunto, tais textos são convites instigantes à leitura de Derrida, mostrando diversas possibilidades de apropriação de sua obra. Ainda que eventualmente o façam de formas imprevistas, não deixam de se debruçar com rigor sobre o autor, ousando levá-lo a outros lugares discursivos e a outras questões de interesse comum. Como organizadores, convidamos os leitores e as leitoras a serem tanto destinatários/as quanto signatários/as desses textos.

Alice Casimiro Lopes; Marcos Siscar

Sumário:

Referências Bibliográficas: BENNINGTON, Geoffrey; DERRIDA, Jacques. Política e amizade: uma discussão com Jacques Derrida. In: Duque-Estrada, Paulo (org.). Desconstrução e ética: ecos de Derrida. Rio de Janeiro, Loyola/PUC-Rio, 2004, p.235-247. DERRIDA, Jacques. A universidade sem condição. São Paulo: Liberdade, 2003. DERRIDA, Jacques. Como se fosse possível, “within such limits”. In: DERRIDA, Jacques. Papel-Máquina. São Paulo: Estação Liberdade, 2004, p. 257-290.

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