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Diálogos Curriculares entre Brasil e México

Ano: 2014

Organizador(es): Alice Casimiro Lopes e Alicia de Alba

Editora: EdUERJ

Número de Páginas: 340

ISBN: 978-85-7511-333-2

Apresentação:

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Este livro é decorrente de muitos encontros. Os encontros que levaram à sua idealização. Os encontros que levaram à produção da escrita aqui apresentada, nesse caso por muitas mãos e muitas histórias entrelaçadas. Os encontros possibilitados pelos textos e pelos projetos de pesquisa e de intercâmbio associados ao livro.

Entre esses muitos encontros, gostaria de destacar alguns, de maneira a situar os/as leitor/as no que pode ser chamado contexto de produção desta obra. Podemos começar com minha ida, em 2007, para a reunião do Consejo Mexicano de Investigación Educativa (COMIE), estabelecendo contato com alguns dos mais importantes curriculistas mexicanos, entre eles Ángel Díaz Barriga, Frida Díaz Barriga Arceo e Concepción Barrón Tirado. Nasceu então um debate que teve continuidade por meio de texto publicado na Perfiles Educativos (Lopes, 2008).

Outro movimento importante se deu por intermédio do projeto que gerou o livro de William Pinar, Curriculum studies in Mexico (2011), com o qual as duas organizadoras deste livro estivemos envolvidas, antes mesmo de nos conhecermos pessoalmente: Alícia produzindo um texto sobre o campo do currículo em seu país (De Alba, 2011); Alice comentando e apresentando questões para os pesquisadores mexicanos que elaboraram textos para a obra de Pinar, alguns deles também autores neste livro.

A partir desse diálogo inicial, fomos buscando desenvolver acordos em torno de nossos entendimentos de currículo. Fez-se assim uma conversa complicada, nos termos do próprio Pinar (2011), uma tentativa de tradução de diferentes sentidos de currículo. Cruzamos fronteiras, não apenas nacionais, mas de contextos de significação desse texto que denominamos currículo e construímos entendimentos sobre o pensamento curricular no Brasil e no México.

Ainda em 2011, Alicia e eu estivemos juntas apresentando trabalhos no quarto seminário Giros Teóricos que Alicia de Alba organizou no IISUE (Instituto de Investigaciones sobre la Universidad y la Educación, da Universidade Autônoma do México, UNAM), focalizando não apenas discussões curriculares, como também debates sobre diferentes temas em registros pós-estruturais. Os diálogos se ampliaram, projetos comuns foram organizados. Em junho de 2012, foi a vez de Alicia de Alba e eu nos reunirmos na International Association for Advancement of Curriculum Studies – 4th Conference, no Rio de Janeiro, sob a organização de Elizabeth Macedo e Alice Casimiro Lopes, e assim mantivemos um contato frutífero cada vez mais focado na apropriação da teoria do discurso no campo curricular.

Nesses encontros, reforcei algo que já sabia: o quanto somos, brasileiros e mexicanos, influenciados pelo pensamento norte-americano, o quanto temos trajetórias próximas no que concerne ao pensamento curricular, mas quanto dialogamos pouco entre nós mesmos – barreiras linguísticas, mais de 10 horas de voo, uma história cultural muito diferente, mesmo quando próxima, diferentes trajetórias na organização da pós-graduação e da pesquisa –, o quanto lemos pouco um ao outro. Produzimos sentidos distintos para os mesmos significantes postos em circulação a partir dessa influência comum. Cada país tem um sistema de educativo organizado de forma própria, nem sempre bem conhecido pelo outro (Quadro 1).

Quadro 1 – Comparação entre os sistemas educacionais no Brasil e no México

Níveis de Ensino – Brasil

0-5 anos – Educação Infantil

6-14 anos – Ensino Fundamental – Todos esses fazem parte da Educação Básica

15-17 anos – Ensino Médio

Níveis de ensino – México

0-5 anos – Educação Inicial – Pré-escolar

6-10 anos – Educação Básica Primária

10- 13 anos – Educação Básica Secundária

14- 17 anos – Bacharelado ou Preparatório – Educação Média Superior

Apenas como um pequeno exemplo desse processo, é possível falar das diferentes relações estabelecidas com as escolas. Enquanto no Brasil o sentido de currículo é intrinsecamente associado à discussão sobre a educação básica, quase tornando uma redundância a expressão currículo escolar, no México, a pouca atuação dos pesquisadores nas políticas, nas práticas e na formação de professores da educação básica torna o pensamento curricular fortemente vinculado ao ensino superior. Tal perspectiva, por sua vez, institui as formas de organização dos programas de pós-graduação e as investigações financiadas no âmbito das universidades em ambos os países. São compostos então sedimentos nos quais os discursos curriculares são traduzidos.

Considero, nessa análise, a ideia de tradução derridiana, pela qual é possível compreender que os significantes circulam e produzem sentidos, discursos, práticas de subjetivação. Não há origem ou fim nesse processo. Mesmo quando se julga remeter a um sentido original – referência ao pensamento curricular norte-americano, por exemplo –, já houve suplementação, criação de algo novo. Não há conceitos que possam ser fixados de uma vez por todas para com eles construir um campo curricular. Todos nós estamos sujeitos aos múltiplos sentidos produzidos pelo movimento dos significantes. Esse movimento é estancado apenas provisoriamente de maneira a que se estabeleça a tentativa de diálogo. Defendo simultaneamente o quanto esse diálogo é necessário, o quanto, nessa constante tradução, as diferenças entre o português e o espanhol são o menor dos problemas.

Afinal, é impossível traduzir, porque a tradução nunca pode ser plena, não há um fundamento comum garantidor da tradução, um padrão que propicie a precisa comensurabilidade dos discursos (Derrida, 2006; Laclau, 2000). Mas nem por isso deixa-se de atuar politicamente para desenvolver a tradução que favorece o diálogo e torna possível a articulação. Uma tradução necessária, mas que se sabe precária, tentativa, fechamento provisório, construção de fundamentos mutantes e instáveis. A precariedade e a provisoriedade são também uma potência, porque se a tradução não é plena, está disponível para ser refeita e, assim, permite que a conversa continue. Na dimensão discursiva, o diálogo nunca se inicia nem termina, apenas continua.

Foi com esse entendimento comum que Alicia e eu decidimos organizar este livro em torno de sete temas que nos parecem ser valorizados nas pesquisas em currículo no Brasil e no México. Esse mesmo entendimento comum sobre a tradução também nos fez não nos surpreender com as interpretações diferentes que tais temas suscitaram nos pesquisadores de currículo convidados a produzir os textos aqui apresentados. Faz parte da riqueza do livro analisar tais diferenças, perceber o movimento que suscitam.

Iniciamos com o tema “Política e discurso”. Por meio de uma interlocução com a teoria do discurso, Bertha Orozco Fuentes e Alice Casimiro Lopes apresentam discussões diferentes sobre a política em uma perspectiva discursiva, tendo em comum a análise das relações com a teoria do currículo. Bertha analisa, em uma dimensão histórica, os sentidos teórico e prático dos discursos curriculares no México e seu impacto nas reformas educacionais. Operando o saber curricular como discurso, a autora questiona o lugar de menor relevância que a teoria assume, nas reformas educacionais, ao ser submetida à urgência das decisões e das ações institucionais.

Alice, por sua vez, defende a produtividade política dos enfoques discursivos. Ao propor o questionamento sobre a possibilidade ou não de um currículo político, apresenta uma problematização do que se entende por político(a) e argumenta que a perspectiva pós-fundacional pode ampliar as possibilidades de hiperpolitização, por intermédio da defesa de que a ação política é ampliada pela ausência da pré-definição de horizontes e fundamentos.

Interpeladas pelo tema “Cultura e diferença”, Anna Gallardo e Elizabeth Macedo brindam os leitores com discussões instigantes sobre o currículo. Anna analisa a categoria currículo intercultural na proposta curricular nacional do sistema educativo mexicano da atualidade, também em um enfoque discursivo, com foco na questão da equidade educativa e da justiça curricular. A autora defende que a reforma atual, com suas políticas de inclusão, mantém uma visão excludente, centrada em um sujeito pedagógico mexicano geral, que impõe aos diferentes (indígenas, migrantes, pessoas com capacidades especiais, escolas multisseriadas) um lugar periférico.

Elizabeth parte de uma análise das diferenças entre os significantes diferença e diversidade, focalizando como as políticas vêm produzindo sentidos para a linguagem e a cultura. Com esse foco, e buscando afirmar a função política do debate teórico, ela argumenta que as políticas em defesa da igualdade, entre elas a defesa da igualdade econômica e de oportunidades, não são capazes de garantir a igualdade prometida e, ao mesmo tempo, operam cerceando o surgimento da diferença como ato de diferir.

Manuel Martínez e Maria de Lourdes Tura, em resposta ao tema “Escola, sujeitos e formação de professores”, apresentam dois textos que trazem elementos interessantes de suas pesquisas sobre a cultura e os processos de subjetivação. Em sintonia com a noção de currículo como texto autobiográfico de Pinar et al. (1995), Manuel parte das discussões sobre cultura e identidade/subjetividade para explorar as possibilidades de uso de estratégias autobiográficas na análise e reflexão da prática docente. O autor conclui analisando os vínculos entre autobiografia e autonomia, defendendo que a escrita autobiográfica de professores é uma reconstrução de identidades por meio da inter-relação e mediação entre particular e universal.

Maria de Lourdes Tura, em seu texto, se dirige para a pesquisa da escolarização de massas. Com base na teoria do discurso, focaliza a história de políticas educacionais construídas em torno do que ela denomina “significantes privilegiados” necessários à hegemonização do projeto educacional em curso. A autora defende que a segmentação e as marcas da distinção social, dominantes nas formações educacionais anteriores ao século XIX, vão negociando seu espaço com o discurso da igualdade de oportunidades, o qual opera com significantes diferentes, tal como “formação do cidadão” e “formação do trabalhador”.

O tema “Qualidade e avaliação” foi proposto a Angel Díaz Barriga, no México, e Clarilza Prado de Sousa, Sandra Lucia Ferreira Acosta e Anamérica Prado Marcondes, no Brasil. Os autores nos apresentam problematizações importantes sobre os discursos em torno da qualidade e da avaliação e seus efeitos nas propostas e práticas curriculares. Díaz Barriga, focalizando as avaliações de sistema, analisa como os diversos indicadores formulados como resultados de avaliação vêm influenciando decisões curriculares. Ele defende que os resultados em provas de larga escala e, no caso da educação superior, as formulações dos organismos de credenciamento pautam decisões no campo curricular, em detrimento do que pode ser pensado por meio da teoria sobre avaliação curricular. Com isso, não se alcança a qualidade da educação nem tampouco se discute qual a responsabilidade social das instituições educacionais, particularmente de nível superior.

O texto de Clarilza Prado de Sousa, Sandra Lucia Ferreira Acosta e Anamérica Prado Marcondes apresenta, por sua vez, o relato de uma pesquisa realizada com estudantes de licenciatura, visando a analisar os julgamentos que fazem sobre decisões avaliativas na sala de aula. Apoiadas pela teoria das representações sociais, as autoras analisam as proposições de alunos diante de dilemas éticos e de justiça enfrentados por professores no processo de avaliação de alunos. As autoras concluem haver uma prevalência de valores vinculados a uma avaliação classificatória e meritocrática, na qual a justiça não admite a equidade, restringindo-se à igualdade, em uma dimensão legalista.

Alícia de Alba, pelo México, e Rita Frangella e Aura Helena Ramos, pelo Brasil, enfrentaram o desafio de abordar o tema “Universidade, cultura e temas transversais”. Alícia, também com base na teoria do discurso, explora a articulação conceitual entre o que analisa como plano social e cultural amplo e o plano da construção do currículo. Tendo em vista a noção de campo de conformação estrutural curricular tendencialmente vazio, busca articular esses dois planos para analisar os contornos sociais que tentam construir novos rumos sociais. Nesse processo, a autora destaca os temas transversais na construção de novos rumos curriculares.

Rita Frangella e Aura Helena Ramos partem da perspectiva de currículo como enunciação cultural para analisarem as Diretrizes Nacionais para Educação em Direitos Humanos. Essas diretrizes, publicadas em 2012 pelo Conselho Nacional de Educação, no Brasil, propõem uma abordagem transversal do tema dos direitos humanos no currículo escolar. Visando a problematização das diretrizes, as autoras argumentam em favor de uma concepção de educação em direitos humanos desenvolvida por intermédio da negociação e articulação, ações no entre-lugar de enunciação.

O tema “Competências e conteúdos” é abordado por Frida Diaz Barriga Arceo e Rosanne Evangelista Dias sob enfoques diversos, mas inter-relacionados. Frida focaliza, em uma abordagem socioconstrutivista, a tensão entre competências e conteúdos curriculares, defendendo que este se trata de um falso dilema. Segundo a autora, pode-se superar esse dilema se o campo curricular considerar uma concepção de competência que possibilite integrar diferentes tipos de conhecimentos indispensáveis para a aprendizagem.

Rosanne, em seu capítulo, analisa as demandas, vinculadas às políticas curriculares de formação de professores, postas em circulação por textos de agências multilaterais que expressam metas para educação iberoamericana do terceiro milênio. Nessa análise, privilegia o confronto estabelecido entre conteúdos e competências como expressão de um antagonismo entre projetos de organização curricular para a formação de professores.

Por fim, Concepción Barrón Tirado e Francisca Pereira Salvino focalizam o tema “Pós-graduação, pesquisa e formação”. Em seu capítulo, Concepción focaliza os modelos de pós-graduação em educação no México, com particular destaque para o programa de Pedagogia da UNAM. Com base nos principais debates sobre o desenvolvimento da pós-graduação, a autora analisa o confronto entre a pós-graduação voltada para a pesquisa e a pós-graduação voltada para a formação profissional.

Em sua análise da pós-graduação no Nordeste brasileiro, Francisca, em seu capítulo, focaliza a produção e a circulação do conhecimento em conexão com os procedimentos de avaliação dos programas realizados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Para tal, a autora parte de uma investigação mais ampla, destacando os depoimentos de três importantes pesquisadores da região, selecionados em função de serem protagonistas em suas áreas de atuação. Por meio deles, problematiza e desnaturaliza quatro temáticas importantes e atuais na região: avaliação; demanda diante das assimetrias regionais; hegemonia; produtivismo acadêmico.

Todos os textos produzidos a partir destes sete temas contribuem, de modos diferentes, para o aprofundamento de questões curriculares que ultrapassam as fronteiras nacionais, brasileiras ou mexicanas. São contribuições teóricas, metodológicas e de pesquisa que permitem avanços na constituição do campo do currículo. Analisam com precisão e de forma inovadora e instigante questões que perpassam a formação de professores e de pesquisadores no âmbito da universidade, a organização curricular, a cultura escolar, a avaliação, os discursos curriculares, a cultura, a diferença e as políticas de currículo. Além disso, este livro tenta ser uma abertura ao diálogo, ao conhecimento mútuo entre pesquisadores dos dois países, à possibilidade de intercâmbios de textos e discursos. Na certeza, de que, se não é possível nos colocarmos no lugar do outro e viver sua experiência e entender plenamente suas razões, é possível seguir tentando negociar sentidos, articular nossas diferenças, visando à produção do conhecimento e às lutas políticas comuns.

Alice Casimiro Lopes

Sumário:

Referências Bibliográficas: DE ALBA, Alícia. “Footprints and marks on the intelectual history of curriculum studies in Mexico: looking toward the second decade of the twenty-first century”. In: PINAR, William. Curriculum studies in Mexico: Intellectual histories, present circunstances. New York: Palgrave Macmillan, 2011. p. 49-74. DERRIDA, Jacques. Torres de Babel. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. LACLAU, Ernesto. Nuevas reflexiones sobre la revolución de nuestro tiempo. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión, 2000. LOPES, Alice Casimiro. “Articulación en las políticas de currículo”. Perfiles Educativos (México), v. XXX, p. 63-178, 2008. PINAR, William et al. Understanding curriculum. Nova York: Peter Lang, 1995. ____. Curriculum studies in Mexico: Intellectual histories, present circunstances. Nova York: Palgrave Macmillan, 2011.

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